23 de nov. de 2009

Paciente ou cliente?

A paciente foi ao consultório do cirurgião plástico que havia colocado suas próteses de silicone há exatos cinco anos. Estava aflita e precisava falar com ele.

Médico conceituado, famoso em todo o país, tinha consultório cheio até às 22h diariamente... Vivia sempre lotado de menininhas descontentes com seus narizinhos redondinhos, peitos pequenininhos, senhoras infelizes com qualquer sinal de velhice e que sempre íam fazer "retoques" até ficarem com aquelas caras congeladas e cada vez mais inchadas! Fora as preguiçosas que sempre tinham algo a lipoaspirar...

Ela afundou-se numa poltrona, ligou seu mp3 no máximo pra não ter que escutar aquele papo fútil sobre nariz que estava fluindo no sofá ao lado. Esperou pacientemente por duas horas até ser chamada à sala dele.

Fora avisada mais cedo, por telefone, pela atendente (que da última vez não estava com aquele nariz nem com aquela carinha de boneca congelada) que só precisaria chegar às 19h. Entrou no consultório às 21h.

O cirurgião estava com o mesmo corte de cabelo, o qual deixava a paciente agoniada. Ela tinha uma vontade enorme de pegar aquele cabelo liso e cheio que caía na metade do rosto e colocá-lo para trás... Pensou em dar uma tiara de presente a ele. Mas essa era a ideia dele, com certeza: cabelos cobrindo um dos olhos. Na cabeça dele aquilo deveria ser um charme...

Lembrou-se imediatamente da primeira vez que o vira naquele consultório. Quando ela entrou, ele, sem olhar para ela, sentado na cadeira e com uma postura erecta impecável, cumprimentou-a enquanto segurava com o braço estendido um espelho de mão (daqueles grandes, tipo os que as "sereias" usam nos filmes, sabe?!), e se admirava ajeitando e sacudindo e ajeitando de novo aquela franja vasta, escorrida e agoniante. Depois de uns cinco segundos guardou-o na gaveta e então abriu-lhe um enorme sorriso metálico. No mínimo, excêntrico.

Desta vez ele não estava a se olhar no espelho, mas a riscar um cd com uma daquelas canetas para escrever em superfície de cd, e utilizava a capa de papel do cd como apoio para que formasse figuras geométricas perfeitas. Sem olhar pra ela, perguntou se estava tudo bem e ela começou a falar-lhe do que se tratava a sua visita. Ele, entretido no seu ritual, ouvia atentamente as suas palavras.

A paciente estava ali porque suspeitava que sua prótese havia se rompido. Já fora como extra naquela tarde a um mastologista, fizera ultrassonografia das mamas e também marcara ressonância magnética pra dali a uma semana.

Ele acabou seus desenhos geométricos que cobriam alguns nomes antes escritos no cd , guardou-o e pegou o envelope com o exame de ultrassom, enquanto falava que era impossível a prótese ter-se rompido. Ela disse que o mastologista dissera isto também, mas a médica que fez o ultrassom levantou a possibilidade de uma pequena ruptura, além da retração da prótese.

Concordando apenas com a retração, ele deu a solução: uma nova cirurgia. Mas antes precisava dar uma verificada na mama.

Nova cirurgia? Não poderia... Estudando pra concurso, desempregada... Ele sorriu e ela pôde ver que ele não usava mais aparelho nos dentes. Aliás... só neste momento ela entendeu porque ele estava sorrindo tanto desde que começou a falar.

Mama verificada, apalpada, revirada (aquilo a deixava incomodada), sentaram-se. Percebendo o desespero da paciente, receitou um corticóide intramuscular. "Pode melhorar. Mas ela deve ficar assim mesmo: retraída. O jeito é uma nova cirurgia."

O médico despontou a falar da cirurgia como uma vendedora de bolsas caríssimas que acaba seduzindo as clientes pelas formas de pagamento e qualidade do material, além da oportunidade de estarem de acordo com as tendências da moda... Falou de todas as vantagens do novo material (resistência, menor risco de retração e encapsulamento, além do novo formato cônico), e , claro, das formas de pagamento. Primeiro, o valor do anestesista (apenas R$ 900,00!), do Hospital (R$ 2400,00 dividido em 6 vezes!) e da prótese (R$ 2300,00 podendo parcelar em até 12, 10 ou 6 vezes no cartão!). O preço da equipe... - aí ele começou a escrever toda a enorme equipe, que ela não conseguia identificar por causa da grafia peculiar da classe - , como ela já era "cliente", sairia por míseros R$ 4000,00. Totalizou R$9600,00. Mais barato do que há cinco anos... Hum... Poderia ser, viu? Pensou ela. Parcelando até que dá...

Saiu dali direto à procura de uma farmácia para tomar a injeção e guardou o papelzinho com o orçamento dentro da agenda do próximo ano...

Bom vendedor.


Nenhum comentário:

Postar um comentário