23 de fev. de 2010

Aceitar o bem nem sempre é fácil...


Ontem Teresa descobriu que seu filho João é gay. E sentiu seu mundo desmoronar... "Onde errei?", "O que irão falar de mim, de meu marido?", "Vão olhar diferente para Joãozinho. Será discriminado...", "Meus Deus! Por que eu fingi não ver todos estes anos?! Mas ele nunca teve trejeitos...", "Há de ter um jeito para reverter isto...", "Não terei netos?!", "Mimei demais?".

Sua mente foi golpeada com pensamentos negativos, desesperados, de autoculpa. Seu corpo não conseguia reagir. Não sentia pernas nem braços, o chão saiu de sob seus pés, não tinha voz, e não conseguia ouvir mais nada do que seu filho dizia a ela... Só escutava o eco dos seus pensamentos. Estava atônita com a novidade e tentava se convencer que aquilo era apenas um pesadelo e que iria acordar com sua vidinha perfeita de volta: casamento feliz, filho único estudioso, que nunca dera trabalho com bebidas, drogas nem galinhagem. Aliás... ele nunca falou de meninas! "Meu Deus!! Só eu não percebi isto!"

Meio tonta com a ideia de ser mãe de um homossexual, tomou remédio pra dormir. Custou a fazer efeito, porém uma hora seu corpo se rendeu. Não tinha mais forças pra chorar, se maldizer. Descansou num sono profundo então.

Não sonhou e acordou ainda zonza por causa das drogas farmacêuticas. Era tudo verdade. Lá estava seu filho, deitado ao seu lado. O marido saíra, com certeza para chorar longe de todos e tentar se sentir mais homem, mais digno. E o filho aproveitou para deitar-se ao seu lado. Enquanto sua mãe dormia, ele chorava ao fazer-lhe cafuné. Sentia-se aliviado em se abrir, apesar da culpa pelo sofrimento dos pais. Mas João não poderia mais fingir ser o que não é. Não seria justo com ele. Era tão bom aluno, sempre foi bom filho, nunca dera trabalho... Seus pais precisavam entender que ele só quer ser feliz. E para ele, ser feliz neste momento é assumir esta paixão, este amor, esta tendência sexual. Sim. Sentia tesão por homem. Uma vez achou uma menina bonita, há uns 2 anos, mas só. Não sentia atração. Não queria vê-la nua nem senti-la sua.

No começo, João percebeu que não falava de e nem desejava meninas como seus colegas de colégio. Não sentia vontade de ver revista de mulher pelada e nem tinha histórias pra contar de estripulias sexuais com primas, vizinhas, empregadas. Considerava-se um ser assexuado. Até o dia em que todos inventaram de tomar banho nus num rio, quando acamparam no carnaval. Ele só entendeu ali, naquele momento. E o que acontecia com seu corpo era bom, era gostoso... Ele desejava muito aquilo. Mas e os amigos? O que iriam pensar, falar dele? E seus pais? "E agora, João?!"

Quando sua mãe despertou e o viu ali do lado, acariciou seu rosto sem conseguir conter as lágrimas que teimavam em brotar dos seus olhos já inchados. Ele pediu perdão por causar vergonha, repulsa, porém disse que não iria mais fingir. Estava amando. Ela tinha que aceitar aquilo. Era mãe e mãe sempre aceita, sempre acata. Mãe perdoa, entende, dá um jeito de todos entenderem. Ele precisava muito dela naquele momento, pois do seu pai talvez só ganhasse nojo e vergonha neste primeiro momento. João entendia que para um pai as coisas sempre são mais complicadas de aceitar. Afinal ele é filho único. Para um homem, ter um filho gay é um dos maiores testes de evolução espiritual. Talvez o pai não fosse tão evoluído assim... A gente sempre acha que é mais fácil quando não é com a gente, não é mesmo?

Teresa pediu um tempo para assimilar aquilo tudo. Sugeriu irem os três - mãe, pai e filho - para um psicólogo. João logo avisou que nenhuma terapia iria mudar sua opção (ou imposição hormonal, psicológica, genética, espiritual, seja o for, qual a origem que seja!) sexual.

Iriam os três naquela mesma semana. O primeiro passo já havia sido dado: a revelação. Um peso de toneladas que João tirou das costas. Ele, apesar de toda a tristeza que causara, estava leve, e até sentia uma pontinha de felicidade por ser ele mesmo para as pessoas mais importantes, das quais ele tanto precisava nesta hora. Agora viria o próximo passo: a aceitação destes dois seres que ele amava e só queria deixar feliz. Sabia que sua felicidade dependia da deles e, no fundo, também sabia que, no final, eles enxergariam que ser pai e mãe, é, acima de tudo, querer o bem do filho. E o bem de cada um não necessariamente é o seu, ou o dos outros filhos, primos. O bem é único, é seu, é individual.

Quem falou que é fácil amar?

4 de fev. de 2010

Sensações

Todos dormem. Daqui a pouco vai amanhecer e eu nem preguei os olhos... Quatro horas da madrugada... o silêncio da noite só é quebrado pelo som do meu ventilador de teto que meu pai instalou e que teima em fazer barulho vez ou outra. Meu pai teima em ser o eletricista da casa: ele se esforça...

Arrumo fotos no meu álbum. Incluo novas fotos, mudo a ordem, escrevo legendas... Leio o recado dele e o meu para ele. Diversas vezes... Que felicidade nova boa!

Olho as fotos. Adoro ver fotografias: elas eternizam os frames de segundos das nossas vidas e nos permitem lembrar de momentos que não mais faziam parte da nossa memória. Fotografias não roubam a nossa alma - como acreditavam os índios -, elas enriquecem-na de boas lembranças...


O som do ventilador torna-se insuportável. E, apesar do verão, faz-se uma temperatura agradável a esta hora. Desligo-o. Um avião corta o céu. Passou perto. Sei pelo som. Resolvo escrever para ver se dá sono ou se surge alguma coisa interessante além das sensações... Novas sensações. Mas nada surge. Não surge nada além destas palavras-sensações. E o sono se aproxima em meio aos pensamentos. Novos pensamentos...

Lembro que tenho que forrar os livros novos da escola de minha filha. Pelo menos os da aula de amanhã. Ou melhor, de hoje... Não quero desapontá-la mais uma vez... Resolvo parar de tentar achar frases legais, alguma ideia bacana para desenvolver. Neste momento sou apenas sensações: sono, paixão, saudade, peso da responsabilidade e a tal da dor na coluna que me atacou desde ontem. Daqui a pouco ela passa.

É hora de forrar os livros. Coloco umas músicas para tocar enquanto faço minha tarefa maternal. Passa rápido. É bom porque assim eu consigo acabar e ainda dormir um pouco antes da sessão de acupuntura. Adoro os orientais e suas agulhas!