14 de out. de 2008

O corpo morto e a esperança

Ontem eu vi um homem morto.

Não sei se era um cidadão comum, um marginal ou um policial. Pouco me importa. O que sei é que vi um sujeito morto, sentado e banhado de sangue em uma estreita escada do Vale do Canela. E isto me chocou.

A princípio - antes de avistar o corpo do morto -, tentei entender a lentidão do tráfego, a quantidade de pessoas olhando para o outro lado da pista e, lá do outro lado, ao topo da escadinha de cimento, mais curiosos que olhavam fixamente para baixo. Uns da multidão conversavam, alguns sorriam (talvez risos nervosos. Eu sofro deste mal...) e outros se arriscavam atravessando as pistas para ver de perto aquilo que eu ainda não havia identificado...

Senti que havia algo de errado quando avistei policiais em pé, recostados na viatura que estava estacionada no passeio, próxima à escada.

Fiquei apreensiva por estar ali - num engarrafamento com policiais do outro lado e uma multidão de curiosos se formando. Duas coisas que tenho medo: polícia e multidão. Esse breve receio que se instalou na minha cabeça cessou quando pude avistar o corpo. E vi que os policiais estavam próximos ao corpo. Todos estavam ali parados e ávidos a observar o corpo do morto.

Eu não o entendia direito, nem a sua posição (culpa do meu astigmatismo), mas pude entender que sangrara e que não havia mais sinal de vida ali. Aquele corpo se resumia a um pedaço de carne morta entregue a olhares curiosos e espantados. Como os meus.

Meus olhos imediatamente arderam. Chorei. E fiquei triste ao ver (mesmo que de relance) não só um corpo de alguém que se foi, mas algo pior: por trás deste corpo sangrado e morto, jogado na estreita escada, sob olhares de estranhos (e talvez de alguns conhecidos hesitantes em identificarem-se como tais), estava o retrato do que não quero para mim e para ninguém. Violência. A violência cotidiana e costumeira.

Não quero nas ruas o que também não quero nas favelas. Não quero me acostumar com isto. Não queria que as crianças da favela crescessem se acostumando com isto. É triste. Muito triste. E mais triste é ver o quão difícil é acabar com isto.

Depois da cena chocante no final da tarde, tive um momento de alegria singela. Graças à esperança, que me veio depois, mais tarde, ao chegar em casa. Literalmete. Ela me apareceu na porta do elevador do meu prédio. Ao vê-la, pude sorrir. E ela, sem imaginar no poder do seu significado, ficou ali parada a me olhar. Quase voou, com receio. Mas nada fiz além de contemplá-la e agradecer silenciosamente por ter aparecido na minha frente.

Pude dormir em paz.

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