5 de dez. de 2009

Sessão de psicanálise

Eu nasci no primeiro dia do verão do ano de 1978. Quase na estrada entre Amargosa e Santo Antônio de Jesus, no sudeste da Bahia. Meus pais voltaram rápido para Santo Antônio e vim ao mundo sem a velha mala em trouxas. A primeira roupa que vesti foi emprestada de um menino que nascera no mesmo dia. Gravidez inesperada, nascimento inesperado. Seria meu destino surpreender?

Quando criança, era uma quietude total. Calada, tímida, observadora, apesar de brincar e integralizar normalmente com os mais próximos.

Mas tinha umas vergonhas crônicas... Uma delas era falar ao telefone! Meu Deus... que ser humano poderia ter vergonha de falar ao telefone?! Simplesmente não atendia quando ligavam para mim e não telefonava para nenhum amigo ou primo mais próximo. Lembro-me de uma ocasião específica que me causou forte angústia. Estava no aniversário de uma colega de colégio (eu tinha 5 ou 6 anos), era a última na festinha e nada de meus pais chegarem para me pegarem. Quando a mãe desta coleguinha perguntou meu telefone para que eu ligasse e chamasse meus pais, eu menti. Mentir é uma coisa que não sei fazer e que sempre me incomodou muito nas poucas vezes que o fiz. Mas não poderia voltar atrás... Eu era uma criança "de palavra"! É claro que eu sabia de cor o telefone de casa, mas jamais iria conseguir ligar! A sorte foi que meus pais apareceram em dez minutos... Imagino como aquela mãe queria se livrar de mim naquele dia... Esta vergonha crônica acabou aos oito anos, acredito eu (para infelicidade do meu pai todo mês ao ver a conta telefônica...).

Outra vergonha surgiu graças à escrotidão dos meus irmãos mais velhos. Eu e Paula, minha irmã mais velha (sim, sou a caçula de quatro) resolvemos encenar uma peça. Criamos figurino, cenário (uma adaptação no nosso guarda-roupa e numa das camas. Os espectadores ficavam sentados na outra cama.), roteirizamos o texto de um livro (não lembro qual...), ensaiamos as falas... E na minha primeira cena, na qual eu saia de dentro do guarda-roupa cantando uma musiquinha que fizemos para a peça, eles simplesmente começavam a gargalhar, apontar para mim. Pense numa menina totalmente segura de si e achando tudo muito bonito e legal e de repente suas expectativas se resumirem a chacota? Claro que chorei. Paula me defendeu, eles pediram desculpas e disseram que não iriam fazer de novo. Voltei ao guarda-roupa. De novo sai, cantando feliz. De novo eles me pirraçaram. E isto se repetiu por umas três vezes. Desisti, é óbvio. Impressionante o grau de perversidade a que pode chegar uma criança. Eles riam sem dó nem piedade e, sem saber, criaram um dos meus maiores bloqueios... Mas é isto: meninos são sádicos por natureza. E os meus irmãos eram os maiores!

Fora este dois episódios chatos na minha infância, fui uma menina feliz. Gostava da escola e dos amigos da escola, era boa aluna, tinha amigas no prédio, descia para brincar, ía à praia nos finais de semana, tomava sorvete (de manga com chocolate!) na Sorveteria da Barra, comia pizza acompanhada de coca-cola aos domingos assistindo aos Trapalhões (velhos rituais familiares simples que me deixavam contente)...

Teve uma fase na minha vida que eu descobri a música. Tinha seis ou sete anos. A radiola da nossa casa (não sei ao certo se radiola designa apenas rádio com tocador de vinis... mas a nossa também tinha player de fita k7) ficava na sala. Eu sentava ao seu lado fascinada tentando descobrir como os cantores e toda a banda entravam naquelas caixas...E tinha certeza absoluta que eles estavam ali dentro, pois de alguma maneira tinham diminuído para caber dentro delas. Mas não conseguia entender como entravam e saiam sem que eu visse por onde! E como os outros que cantavam na sequência entravam tão rapidamente também? Pelo fio? Isto durou pouco tempo até eu deduzir não ser possível (o pó de pirlimpimpim não existia realmente!): John Lennon não poderia ter ressuscitado... Também queria entender como uma agulha tirava som daquelas bolachas pretas... E como aquela fita k7 guardava as músicas? Simplesmente era tudo muito fantástico pra mim!

Quando estava maior e descobri o amor infantil, chegava da escola e ficava escutando o programa Toque Brasileiro da Globo FM, enquanto sonhava acordada. Acho que durava uma hora o tal programa e eu só conseguia almoçar depois dele. Nesta época, a mesma radiola já estava no quarto dos meus pais. Então eu pegava um almofadão, recostava a cabeça e escutava Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tim Maia, Maria Betânia, Gal Costa, Tom Jobim, Elis Regina, Milton Nascimento, Rita Lee, Belchior (não gostava dele cantando e queria que acabasse logo...!), João Bosco, João Gilberto, Geraldo Azevedo, Raul Seixas...

Raul Seixas eu fiquei fã quando ele morreu. Eu tinha dez anos, então. A velha "necrofilia" da arte... Mas por pura influência do meu irmão mais velho (um dos "sádicos" que nesta fase se mostrou mais companheiro e amigo). Eu simplesmente escutava todas as músicas de Raul. E gostava mais das que só os verdadeiros fãs de Raul conheciam. Cachorro Urubu era a preferida. Nesta época descobri que amava a voz de Elvis e o som dos Beatles. Conheci a voz de Frank Sinatra também.

Mas foi escutando um daqueles walkman's da Philips - um lançamento de formato "modernoso" que tinha ganhado de Natal ou Dia das Crianças (com certeza numa destas datas porque todos os quatro filhos ganharam o mesmo presente, então não poderia ter sido de aniversário...) - que senti uma vontade incomensurável de cantar. Ouvi ou num destes programas de música brasileira que eu escutava na Globo ou na Educadora, Elis cantando Romaria. "O que é isto?!". Fiquei fascinada. Era triste e forte o suficiente seu canto para eu me apaixonar pela canção... Pela canção sim, mas cantada por ela, apesar de nunca ter sido fã de Elis. A voz dela nesta música é simplesmente divina. E a partir deste momento, quando acabava de tocar Romaria na Educadora, eu sintonizava a Globo. Queria ouvir. Queria cantar. Precisava cantar. E cantava. Até alguém abrir a porta do quarto, do banheiro...

Porque minha timidez era foda! Então com treze anos resolvi participar de um curso de teatro para ver se melhorava. Pedi, implorei e meu pai acabou cedendo aos meus apelos com a ajuda de minha mãe, mas com a condição de eu fazer com minha irmã mais velha (um ano e meio mais velha, porém muuuuito mais "velha" do que eu). Paula adorou, pois queria muito ser atriz. Fiz, ela acabou saindo antes da montagem da amostra, e eu continuei até o final. Gostei daquilo. Sentia-me bem, livre nas aulas de teatro, contudo não me considerava boa atriz. Tenho uma dificuldade enorme em fingir algo, e com certeza não convenceria ninguém! Além de não ter perdido o medo total do público... No final, acho que o teatro ajudou muito a diminuir em 60% a minha timidez.

Trabalhar ela (a timidez) é algo que se faz urgente pra mim. Sei que preciso parar de me importar com o que irão achar de mim, e simplesmente tenho que arriscar acreditando. Mas a cena dos meus irmãos rindo é inesquecivelmente aterrorizadora. Um dia isto vai passar?

Acabou o tempo? Tá bem. Até a semana que vem.

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